Neste momento histórico, as famílias do mundo inteiro se viram obrigadas a seguir uma inusitada étiquette, crucial à sobrevivência: o confinamento. Em alguns casos, os membros do clã moderno não conseguiram diferenciar esta palavra de “aprisionamento”, “castigo”, “tédio”. Isto porque, as pessoas comuns pensam apenas como passar o tempo, já uma pessoa emocionalmente inteligente, tenta usar o tempo a seu favor.
Vivenciar um tempo sadio (psicológico e cronológico) com sua família, pode ser um desafio. As prioridades da nossa existência se tornaram cada vez mais materiais, quantificáveis, palpáveis e acumuláveis. Paira sobre nossas cabeças um enorme placar neon, que anuncia em alto e bom tom nossas contas, juros, horas, afazeres, apps, @s, listas e curtidas; disputando atenções e diminuindo nossa capacidade de permanecer e criar raízes em um espaço (verdadeiramente) povoado de vidas. Conversas inteiras foram substituídas por clicks, emojis e memes. Contudo, mesmo tendo enxugado, contraído, subtraído e economizado ao máximo a linguagem, o ser humano sente que não possui o Tempo a sua disposição. O curioso é que cada dia dura as mesmas 24 horas de antes…
Quando analisamos o papel que a figura paterna ocupou na estrutura social ao longo de séculos de civilização, é possível enxergar a ascensão do capitalismo e da voracidade masculina em prover para sua família. O homem das cavernas se tornou menos monolítico, mas a que preço? Em contrapartida, cresceu a massa de pais que se consideram imperfeitos, limitados, inaptos para transmitir valores e conhecimento à sua prole. O pai se desconstrói para erigir a caverna simbólica do mito, um recanto que servirá para abrigo nos piores momentos… sem poder gozar dos melhores. Sua satisfação, limitada em prover bens materiais, não é excitante ou estimulante, tornou-se apenas parte contratual de um pacote que este pai jamais assinou. Como ele pode sair das sombras e prover um novo alicerce, menos óbvio e carnal, porém mais integral e transcendente?
A tarefa de educar os filhos sempre foi árdua, mas jamais competiu com tantas ofertas, promessas e desvios quanto é hoje. As famílias, a escola e a sociedade esqueceram que são, simplesmente, uma expansão do modelo da outra, em uma escala crescente de complexidade cuja imensurável metragem povoa o nosso futuro como espécie.
Como será, para o pai, estar passando pelo período de confinamento, com tanto tempo “sobrando” ao lado do filho? Para alguns, aquelas tais 24 horas se tornaram eternidade, infinitude, por antes terem se submetido (ou se acomodado) a substituir a convivência pelas extensas horas longe de casa, em árduo trabalho, como um dragão a garantir o covil de tesouros os quais nunca mais verão a luz do sol.
Já a prole em casa, sem aula, sem curso, sem poder soltar pipa na rua, observa, talvez em uma mistura de medo e fascinação, a palpável presença do Provedor – sem ser o da internet – que não se dilui como antes, homeopaticamente, ao longo da semana. Que substância tem resultado da química entre estes dois personagens distanciados pelas circunstâncias, agora unidos em isolamento? Qual catalisador finalmente poderá criar a reação balanceada entre o que foi, o que é, e o que será?
A resposta: o Tempo. Se o pai puder assumir o papel de condutor, de exemplo, de ninho (em vez de caverna), a paternidade será uma experiência de prazer e descoberta. A responsabilidade sobre o futuro não será cobrada, mas desfrutada. O puxão de orelha será um abraço de amor ardente e ardido, não de impaciência e incapacidade.
Estabelecer prioridades poderá ressignificar o quão importante é estar ao lado dos filhos. Quem diz que não tem tempo, não possui a si. O papel do pai é estabelecer tempo, compassá-lo com seu filho e herdeiro, marcá-lo, ritmá-lo em cores e melodias. Agora pode, agora não pode. Por quê? Porque o tempo ensina. Agora dói, agora não. Por quê? Porque o tempo passa. Agora sou, um dia fomos, logo seremos, por quê? Porque o tempo passa por nós, sem nunca nos abandonar. Ser um pai é ser como o Tempo: é continuar durando, ensinando, curando e acompanhando a essência de cada coisa, sem nunca abandoná-la por completo.

Alessia Castro

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1 thought on “A diferença que o pai faz”
Elaine de Lourdes Civalsci
(29 de junho de 2020 - 11:26 am)Parabéns pelo conteúdo e irei compartilhar! A nossa sociedade precisa rever seus valores, comportamentos e atitudes.